Escrito pela Dra. Marit Brommer, CEO e pela Dra. Helen Robinson, gerente global de P&D, Associação internacional de energia geotérmica
O setor global de mineração consome cerca de 11% da energia total do mundo, um número impressionante que destaca o papel crítico do setor na migração para energia limpa. À medida que o mundo demanda mais metais para baterias, turbinas eólicas e veículos elétricos, a mineração busca novas formas de se tornar mais sustentável. A energia geotérmica é uma solução local, abundante e de base, com potencial transformador.
Mas isso é mais do que apenas um setor tomando emprestado de outro. A energia geotérmica e a mineração são aliadas naturais, com profundas sobreposições tecnológicas, metas mútuas de descarbonização e até mesmo oportunidades em comum. Além disso, mesmo após o descomissionamento de uma mina, ela ainda pode oferecer recursos geotérmicos por meio do aquecimento de sua água, uma abordagem emergente para sistemas de aquecimento limpos em escala distrital. Chegou a hora de ligar os pontos e desenvolvermos juntos um futuro compartilhado.

Dra. Marit Brommer, diretora executiva da Associação internacional de energia geotérmica, no workshop de energia geotérmica da Nova Zelândia de 2024, em Auckland.
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África: um legado e uma fronteira
Esta aliança não é nova em solo africano. Poucos sabem que a primeira central geotérmica do continente africano não foi construída no Vale do Rifte, no Quênia, mas sim na província de Katanga, rica em cobre e estanho, na República Democrática do Congo.. Em 1952, uma central geotérmica binária de 250 kW em Kiabukwa foi desenvolvida para abastecer operações de mineração de estanho, um dos primeiros exemplos de integração entre mineração e energia geotérmica no mundo. Os engenheiros aproveitaram uma fonte termal com temperatura de quase 91 °C, fornecendo energia limpa muito antes de Wairakei entrar em operação na Nova Zelândia.
Atualmente, a África está redescobrindo seu potencial de energia geotérmica, com empresas de mineração explorando o calor sob seus pés para alimentar a próxima onda de extração de minerais essenciais:
– Na África do Sul, a Gold Fields está avaliando o uso de energia geotérmica nas minas de ouro profundas de Witwatersrand, onde as temperaturas das rochas são altas e os custos de ventilação são significativos. Sistemas geotérmicos, que extraem e reutilizam calor da subsuperfície, podem contribuir para o resfriamento e a refrigeração, essenciais para a segurança.
– Na Eritreia, a empresa de mineração australiana Danakali está explorando o uso de energia geotérmica em sua mina Colluli para atender às demandas operacionais nesta região remota e sem rede elétrica.
– Na Namíbia, a empresa de desenvolvimento de lítio Lepedico está explorando energia geotérmica para reduzir a dependência de combustíveis fósseis.
– Na Tanzânia, a perfuração da Helium One na Bacia de Rukwa revelou salmouras geotérmicas ricas em hélio, sugerindo uma nova fronteira de gases raros e coprodução de calor.
– No Quênia, a usina geotérmica KenGen está testando a recuperação de minerais de suas salmouras geotérmicas, explorando maneiras de extrair sílica, lítio e outros elementos essenciais como parte de sua estratégia de diversificação.
Esses exemplos mostram que a África não é meramente uma receptora passiva de modelos de energia importados, e sim uma incubadora de inovação em mineração geotérmica que pode liderar o pensamento global.

A Dra. Marit Brommer e o diretor de segmento de energia da Seequent, Jeremy O’Brien, anunciam sua parceria estratégica para promover o papel da energia geotérmica como uma fonte de energia renovável.
Geothermal: abastecendo as minas do futuro
As operações de mineração, geralmente remotas e com alto consumo de energia, estão sob pressão para reduzir as emissões. A energia geotérmica oferece uma solução: energia confiável, no local e de baixa emissão. Um caso de destaque é a mina de ouro de Lihir, em Papua-Nova Guiné, que explorou reservatórios geotérmicos de 240–300 °C para gerar 6 MW de energia limpa em 2003. Hoje, esse número aumentou significativamente, fornecendo cerca de 75% da energia elétrica da mina, evitando milhões em custos de combustível e melhorando drasticamente sua pegada ambiental.
Na Indonésia, no Chile e no oeste dos Estados Unidos, estão sendo identificadas cada vez mais sobreposições entre reservatórios geotérmicos e formações ricas em minerais. Não são coincidências: a alteração hidrotermal, o processo geológico que forma depósitos de cobre, prata e ouro, também cria ambientes de alta temperatura que possibilitam a energia geotérmica. Onde há fluidos quentes e zonas de alteração, geralmente há metais e megawatts.
Ferramentas, dados e talentos compartilhados desde o início
Além da geologia, a mineração e a energia geotérmica compartilham métodos essenciais de exploração: mapeamento de superfície, levantamentos geofísicos, amostragem geoquímica e modelagem em 3D. Essas sinergias reduzem custos, aceleram descobertas e possibilitam ecossistemas de compartilhamento de dados. Por exemplo, a iniciativa EarthMRI da agência de serviço geológico dos Estados Unidos gera conjuntos de dados de subsuperfícies em escala nacional que podem dar suporte tanto à mineração quanto ao desenvolvimento geotérmico.
A parceria entre a Seequent e a Associação internacional de energia geotérmica (IGA, International Geothermal Association) é um exemplo de trabalho mais inteligente, não mais árduo. O software de modelagem geológica da Seequent foi originalmente desenvolvido para a mineração, mas seu portfólio de software de subsuperfície tem aplicações em vários setores e também ajuda a moldar o futuro de projetos geotérmicos globalmente. Não precisamos criar sistemas paralelos. Precisamos criar sistemas compartilhados.
Das minas ativas ao legado térmico: a revolução da água da mina
A energia geotérmica não termina com o fechamento de uma mina. Minas subterrâneas inundadas, antes vistas como passivos custosos, agora estão sendo convertidas em baterias térmicas subterrâneas. Esse conceito, conhecido como energia geotérmica de água de mina, já está abastecendo redes de aquecimento em toda a Europa:
- Em Heerlen, na Holanda, uma mina de carvão desativada agora fornece aquecimento e resfriamento geotérmico para mais de 350 edifícios.
- A autoridade de recuperação de minas do Reino Unido apoia mais de 70 projetos de aquecimento de água de mina, considerando-os essenciais para a migração do país.
Funciona assim: galerias de minas inundadas geralmente se estabilizam entre 12 e 25 °C. Ao circular essa água por trocadores de calor e bombas, é possível fornecer aquecimento urbano de baixa emissão de carbono para residências, escolas e empresas, especialmente em antigas regiões produtoras de carvão.
Essa não é apenas uma história europeia. Países com tradição em mineração, como Canadá, África do Sul, China, Austrália e Estados Unidos, podem usar água de mina geotérmica para revitalizar comunidades, aumentar o valor dos ativos e reduzir riscos ambientais. Projetar a reutilização de energia como parte do descomissionamento de minas deve ser a norma nas empresas de mineração para garantir que o que começa como extração termine como regeneração.
Energia geotérmica melhorada, investimentos estratégicos e recuperação de terras raras
A energia geotérmica continua evoluindo. Com sistemas geotérmicos aprimorados (SGA), reservatórios artificiais em rochas quentes e secas, a energia geotérmica prospera mesmo fora das zonas hidrotermal tradicionais. Isso é especialmente promissor para minas que já contam com poços profundos ou apresentam geologia favorável. Em Nevada, a Fervo Energy utiliza o EGS para abastecer datacenters remotos do Google. Modelos semelhantes poderiam ser facilmente aplicados a operações de mineração que buscam independência da rede elétrica.
Enquanto isso, a iniciativa GEODE do Departamento de Energia dos EUA está investigando como fluidos geotérmicos podem se tornar fontes de elementos de terras raras e minerais essenciais, transformando usinas geotérmicas em instalações de mineração e energia de dupla finalidade.
E as grandes empresas de mineração estão investindo. A Freeport McMoRan está colaborando com o Departamento de Energia dos EUA em soluções de energia geotérmica para descarbonizar sua produção de cobre, indicando uma tendência importante: os players estratégicos do setor de mineração veem a energia geotérmica não como uma opção secundária, e sim como um pilar da transformação em ESG.
11%
da energia total consumida pelo setor de mineração global
1952
A usina de Kiabukwa, na Nova Zelândia, se torna um dos primeiros exemplos de integração entre mineração e energia geotérmica.
6 MW
de energia limpa gerada pela mina de ouro de Lihir, Papua-Nova Guiné, em 2003
Desafios a superar
É claro que ainda há desafios. A infraestrutura geotérmica requer aço e metais especiais, commodities intimamente ligadas à mineração. Há uma circularidade aqui que deve ser abordada com transparência e compras sustentáveis. Além disso, os altos custos iniciais da energia geotérmica, principalmente os custos de perfuração, podem desencorajar empresas não familiarizadas com investimentos em infraestrutura de longo prazo. Isso requer modelos de financiamento combinados, garantias governamentais e estruturas regulatórias que permitam o codesenvolvimento e a coautorização.
As tarefas futuras: um apelo à ação intersetorial
Para realmente aproveitar essa convergência, precisamos de:
- Licenças integradas para sobreposição de concessões de energia geotérmica e de mineração;
- Plataformas de dados abertos para exploração do subsolo e caracterização de recursos;
- Estratégias de coinvestimento para projetos conjuntos de energia geotérmica e mineração;
- Incentivos para o planejamento de águas geotérmicas de minas durante as fases de descomissionamento e recuperação;
Currículos e programas de treinamento compartilhados que desenvolvem expertise em dois setores.
Não deixemos isso ao acaso. No evento Resources Tomorrow de 2024, o IGA desafiou ambos os setores a agirem juntos. Que a mineração não seja mais vista apenas como um setor de extração, e a energia geotérmica não seja mais vista apenas como um nicho renovável. A união deles tem o potencial de redefinir como usamos a subsuperfície da Terra: para calor, metais e um futuro sustentável de baixa emissão de carbono.
